“ O casamento de Zulema e Riad Halabí foi feito segundo todos os ritos, porque o noivo pôde paga-los. Naquela aldeia pobre, onde já quase tinham esquecido as verdadeiras festas, aquela constituiu um fato memorável. O único sinal de mau agouro talvez tenha sido Khamsin do deserto, que começou a soprar no inicio da semana, com a areia introduzindo-se por todas as partes, invadindo as casas, rasgando as roupas, fedendo a pele. Chegado o dia do casamento, os noivos tinham areia entre as sobrancelhas. Esse detalhe, contudo, não impediu a comemoração. No primeiro dia da cerimônia, as amigas e mulheres das duas famílias reuniram-se para examinar o enxoval da noiva, as flores de laranjeiras e as fitas rosadas, enquanto comia sapotis, chifres de gazela, amêndoas e pistaches, ululando de alegria com um iuiu sustido, No dia seguinte, levaram Zulema em procissão ao banho público, presidida por um velho tocando tamboril, a fim de que os homens desviassem a vista ante da passagem da noiva, coberta com os sete véus leves. Quando lhe tiraram a roupa no banho, para as parentas de Riad Halabí verem que ela estava bem alimentada e não tinha marcas, sua mâe rompeu em pranto, conforme a tradição. Puseram-lhe henna nas mãos, depilaram todo o seu corpo com cera e enxofre, fizeram-lhe massagens com creme, traçaram-lhe os cabelos com pérolas de bijuteria, cantaram, dançaram e comeram doces com chá de hortelã, não ficando esquecida a moeda de ouro, com que a noiva presenteou cada amiga. No terceiro dia houve a cerimônia do Neftah. A avó tocou-lhe a fonte com uma chave, a fim de abrir-lhe o espírito à franqueza e ao afeto. Em seguida, a mãe de Zulema e o pai de Riad Halabí calçaram-lhe sapatilhas untadas com mel, para que ela entrasse no casamento pelo caminho da doçura. No quarto dia, vestida com uma túnica singela, Zulema recebeu os sogros, para oferecer-lhe pratos preparados por suas mãos, baixando os olhos recatadamente quando disseram que a carne estava dura e faltava sal ao cuscuz, mas que a noiva era bonita. No quinto dia, provaram a seriedade de Zulema, expondo-a á presença de  três trovadores que cantavam canções atrevidas, porém ela se manteve indiferente atrás do véu, e cada obscenidade que ricochetava em seu rosto de virgem foi premiada com moedas. Em outra sala celebrava-se a festa dos homens, com Riad Halabí suportando pilhérias de toda a vizinhança. No sexto dia, casaram-se na prefeitura e, no sétimo, receberam o cádi. Os convidados colocaram seus presentes aos pés dos esposos, gritando o preço que tinham pago por eles, o pai e a mãe tomaram a sós com Zulema o último caldo de galinha, e depois a entregaram ao marido de muita má vontade, tal como dever ser feito. As mulheres da família Conduziram-na ao quarto preparando a ocasião e trocaram-lhe o vestido por sua camisola de desposada, indo em seguida reunir-se aos homens na rua, á espera que sacudissem pela janela o lençol ensangüentado com sua pureza.

Por fim, Riad Halabí encontrou-se a sós com sua esposa. Nunca se tinham visto de perto nem haviam trocado palavras ou sorrisos. O costume exigia que ela estivesse assustada e trêmula, mas ele é que se sentia assim. Enquanto pôde manter-se a distância prudente, sem abrir a boca, seu defeito ficava menos evidente, porém ele ignorava como isso afetaria a sua mulher, quando na intimidade. Perturbado ele se aproximou dela e estendeu os dedos para toca-la atraído pelo reflexo nacarado daquela pele , pela abundância de carne e as sombras do cabelo, mas então viu o asco nos olhos de Zulema, e o gesto ficou congelado no ar. Tirando o seu lenço, ele o levou ao rosto, mantendo-o ali com uma das mãos, enquanto com a outra a despia e acariciava. Toda a sua paciência e ternura, no entanto, foram insuficientes para vencer a rejeição de Zulema. Foi um encontro triste para ambos. Mais tarde, enquanto sua sogra agitava o lençol no balcão pintado de celeste, para afugentar os maus espíritos, e abaixo os vizinhos disparam salvas de fuzil e as mulheres ululavam com frenesi, Riad Halabí escondeu-se em um, canto. Sentia a humilhação como um soco no ventre. Essa dor ficou com ele, como um gemido em surdina, e nunca falou disso, até o dia e, que pode contar à primeira pessoa que o beijou na boca. Havia sido educado a regra do silêncio: o homem é proibido demonstrar seus sentimentos ou desejos secretos”.

Texto tirado do Romance Eva Luna da escritora Isabel Allende, publicado no Brasil pela editora Bertrand Brasil.